Hoje acordei com vontade danada de ver o mar.
Ontem não fui à Praia. Não quis. Havia um mar em mim e eu necessitava bebê-lo.
Hoje quero beber junto ao mar, na ponta da praia, no filete de rocha moída. Vou beber feito bebê com a boca no bico dos seios de sua mamãe e feito macho dando tapa na bunda fêmea de sua amada na beirada da cama. Não vou me embebedar. Não vou tomar um porre. Embebedar-me-ei de domínio-próprio para minha loucura ficar lúcida.
Elegantemente vou brindar a alguém em especial.
_ Arlindo, uma dose boa de Rum, bebida de pirata, e uma Coca-cola de lata, por favor!
_ Cuba-livre! Lembrou-me educadamente o garçom.
Eu gosto de saber os ingredientes da mistura que eu mesmo faço questão de preparar. Minhas doses são diferenciadas. Desprezo uma receita. O que é doce pra alguém, pra mim pode ser extremamente doce. Meus olhos nasceram com zoom. Até batizaria com outro nome:
_ Garçom, um “Hombre Libre”, por favor!
Homem Livre! É de bom tom.
Falando em som, por que brindamos? Por que será que damos voz às taças, aos copos, aos bicos de garrafa e até às latas?
Há num hábito todo um sentido que sempre é perdido, esquecido na gaveta gasta da rotina. Transforma-se em proforma.
Mero manual de etiqueta
De um patrão faz-se empregado
Que nem recebe gorjeta
Amigo, se vais gozar a vida, goze-a até perceber que um orgasmo é morte. É esgotamento de quem foi pleno na vida.
Um corpo sedento quer uma bebida e faz cinco sentidos seu desejo de brindá-lo a quem ele julga ser especial no estalar do toque metálico.
1º Os olhos atravessam a taça em seu vestido transparente, desejando sorver a carne líquida e morena que dança num palco cintilante de gelos. Ver aquela transpiração faz salivar a boca que engole saliva e a dança da silhueta mulata é de deixar qualquer um tonto;
2º As mãos tateiam com seus dedos quentes a pele vítrea e gelada como se fora a pele da morena que saíra de um banho frio, respingada de pingos e veios iluminados de ouro, aguardando as costas largas e nuas as mãos do tecido atoalhado, seco, quente e macio. E há ainda o peso, a densidade, o líquido, o sólido, o quente, o frio, o duro e o tenro.
3º Taça às narinas é fatal! Meu nariz é focinho de lobo bandeirante que desbrava a floresta densa, a mata ciliar, em busca do precioso líquido que dessedenta a sede. À distância sente o cheiro ardente. O hálito febril da bebida me é torpor alcoólico só de cheirá-la. Eu fico doente feito o cão que sentiu o cheiro de cio da cadela que dele fugiu! Cheiro é resgate de infância. É lembrança ingênua da liberdade de ser e ser feliz!
4º A língua atoalhada de papilas gustativas, primeiro, engole seco a saliva onomatopeica (glupt!). Permite-se encharcar dos poros trans-pirantes.
O gosto aveludado e amargo do Rum
tira pra dançar a mulata Coca-Cola faceira,
doce, ácida, fervilhante.
Executam Samba de Gafieira
Num passo de dança
Decoram um salão com um palato
De cabeça pra baixo no teto
Pra dançar têm tato
E viram minha cabeça
Invejosos gélidos
Sambam tímidos no copo
Da boca meio distante
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E disse João:
_ Amado mestre, já enchemos os oito tonéis
de água, como o Senhor nos ordenou!
E disse Jesus:
_ Amado João, em verdade te digo que estarás
comigo no paraíso! |
5º A bebida é feitiço. Um homem, a quem julgo ser o homem mais sedutor que pisou o nosso chão, fez magia, feitiçaria, milagre. Água em vinho transformou. O sujeito com verbo historificado no tempo era um fanfarrão. Gostava de gente, festa e alegria. Impossível um homem trazer boas-novas e não ser feliz.
Nós, pobres mortais, não sabemos fazer milagre. Criamos, então, símbolos. Fantasiamos uma taça de vinho que fala. A ela damos uma voz. Não se pode distrair com o som balbuciante de gelinhos-criança presos, esperneando no berço do copo. É preciso amadurecer, ter uma voz própria que deixa no mundo a sua digital. E essa voz nasce da partilha, do compartilhar da mesa e dos copos, do beijo de uma taça que beija outra taça, do toque no ombro amigo, da tentativa de ser abrigo. A voz que nasce do encontro. E quando duas taças cheias se encontram, elas se erguem aos Céus em gratidão a Deus, se olham nos olhos, sorriem alegremente e:
_ Tim-Tim!
A santa trindade humana, composta por Estribo, Bigorna e Martelo, recebendo as vibrações arquitetônicas de tímpanos tocados pela orquestra magistral de taças, enfiam ondas de alegria adentro da alma pelo corpo afora. A epiderme se transforma numa passarela e os pelos se arrepiam, dançando um Carnaval que arrepia os pelos da pele de Deus!
_Tim-Tim! Um brinde a Jesus!
6º Aí, meu caro! Só você bebendo pra descobrir seu sexto-sentido!
P.S.: Quer saber o que penso - de um ponto de vista, digamos, teológico - sobre a razão de o Estribo ser o menor osso do corpo humano?
Leia comigo o livro O UMBIGO DE ADÃO, uma cicatriz de dor e prazer da existência. Júlio Diniz, autor