sábado, 9 de junho de 2012

Cale a Boca

Quer entender-me
Para aceitar-me?
Ou não!

Leia-me nas entrelinhas
Ouça o que eu não disse
Então abrirás a porta. Entre!

Não leia minhas palavras
Não leia meus lábios
Beije-os! É melhor, boba!

Leia meu corpo
Meus olhos
A gesticulação atordoada das mãos
Estão prontos os punhos cerrados
A entregar-me às suas algemas
Acaso não vês que quero devorar-te?
Como caça o dia inteiro um dia o crepúsculo
Com a força de seu músculo
Para preparar à Lua um jantar
E depois, faminto, devorá-la cheia madrugada à fora
Até vê-la minguar num quarto crescente
Até ser novamente lusco-fusco

Não leia minhas poesias
Você não as entenderá
Escrevo pra ninguém
É inveja minha do pé de Tamarindo
Parece estátua na praça do Arraial
Pareço um Michelangelo irado
Ao esculpir um Moisés
Perfeito!
Quebra-lhe o joelho e grita:
Anda!
O Legislador não anda
Não porque não pode
A culpa toda é do anjo
Da imagem que quebrou o espelho
E arrancou-lhes as asas

Não leves em conta minha raiva toda
Meu rompante, meu destempero
Sem querer estou revelando segredo
É minh'alma nua
Suplicando licença
Para ir ao banheiro
E, de pernas bambas,
Pálida e alquebrada
Dobra os joelhos ante a privada
Faz dela um altar
Para vomitar um pecado
Confessar um mal de âmago

Entre! Minha língua está nua
É toda sua
Pra início de conversa
Cale a boca, a minha com a sua.
Ferve sob um prepúcio
Uma alma outrora fria
Preciso desvestir-me