quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quarto do Desejo

Volto-me para onde
De onde nunca devia ter saído
Para o lugar que ainda me resta
O canto do meu desassossego
Onde repousa tranquila minha alma

Desnecessário seria trocar os lençóis
Se não reparasse-lhe as manchas
E incômodo do cheiro quente e ardido
Do suor, da paixão, da lágrima, do vazio
E do vômito de palavras malditas
Que se silenciaram
Palavras grávidas de grito

Não há a menor possibilidade
De arrancar da carne
O espinho sem urro de dor
Ou sem a resignação do sangue
Que escorre entre os dentes
Por morder até o hálito
Confessar-se solitariamente a Deus
É confessar-se a ninguém
E negar a visão do que se passou
Do outro lado da fechadura
Duras são, na verdade,
As palavras não ditas
E covardia é a porta que se bate na cara
Sem pedir licença
Com licença
Mas antes de adentrar meu quarto
Meu refúgio de inquietações
Preciso dizer algumas coisas
Que seja termo de retratação
Ou justificativas
Afinal, de que valem os julgamentos
Senão para nivelar-nos
Malditas são as palavras
Que nunca foram encarnadas
E o que não foi dito
Ainda me provoca náuseas
No entanto,
Limpo é o travesseiro
Onde desejo repousar a cabeça.