Triste notícia para algumas pessoas muito chegadas do coração desse sujeito. Para outras nem tanto. Para muitas que hoje ele desconhece seu discurso alienado e corrompido a notícia soa como um alívio e até mesmo como um ato divino de punição:
MORREM Júlio Diniz E COM ELE, SEU AMANTE Javier Cardona.
Não deixou testamento
Não queixou lamento.
Deixou vazio um quarto cheio de desejos,
uma cama de casal onde dormia um solteiro,
Um chuveiro que chovia frio, mesmo no frio
e travesseiros que voluntariamente fizeram
um voto de silêncio.
Seus segredos serão guardados eternamente em sonhos não realizados.
Fez um pedido antes do último suspiro:
_ Não quero flores!
Não quero coroas, pois não quero ser reis a não ser de minhas sete cabeças. Não tenho talento para escolher cardápio pra ninguém.
E não tenho o dom de submeter-me à submissão.
Não como ovas de esturjão.
Prefiro nadar nu e livre com Belugas a mar aberto.
_ E as flores? Que fazer das flores? Perguntou a valente nativa que se lançou contra as ondas bravias para tentar resgatar o corpo vagabundo que não sabia nadar.
_ As flores... Ah, as flores! O último suspiro de Júlio foi longo.
Flores não merecem morrer num caixão!
Deem-nas, por favor, a todas as mulheres do mundo. Flores colhidas merecem morrer numa jarra plantada na mesa da sala, como que uma taça de vinho dançando em par com o vento na mão de um escanção inalando seu bouquet, na mesa de um escritório, merecem até ser descabeladas quando a raiva é grande. Raiva grande denuncia amor reprimido entre as pernas! Flores merecem ser esmagadas entre as páginas de um livro como recordação. Merecem viver eternamente numa moldura ou que se lhes façam um busto de fotografia! Merecem até serem flores de plástico. "as flores de plástico não morrem"
Flores! Deem-nas a todos os homens do mundo para que, por sua vez, possam dar às suas mulheres, suas amantes, suas namoradas, às suas mulheres desejadas às quais não têm coragem de se declararem, às suas mães, aos filhos, aos filhos de seus filhos, a outros homens. O que é que tem? Legal homem receber flores! Por favor, deem esses flores e tantas outras a quem precisa:
Que os deprimidos levem flores aos presidiários
Que os suicidas despenquem de um abismo sobre um mar macio pleno de flores sem espinho.
Que os motoristas abram as janelas de seus automóveis uns aos outros para oferecer... Flores, porra!
Que um guardinha de trânsito plante não uma, mas milhares e milhares de plantas que dêem muitas flores e frutos que possam ser colhidos por mendigos.
Que os cidadãos brasileiros deixem de votar apenas e que deem a cada candidato e a cada político eleito rosas vermelhas que carregam uma propaganda e uma promessa que será inexoravelmente cumprida: Dentro de alguns dias todas nos murcharemos. Nossas pétalas secarão e cairão. Esfarelar-se-ão como as migalhas de pão esquecidas sob a mesa e que têm serventia às baratas. Brasileiros e brasileiras, deem flores aos políticos, a todos eles sem exceção. Entreguem-lhes esta mensagem das flores, pois é exatamente isso que vai acontecer com eles.
“Seca-se a erva e cai a sua flor, mas a Palavra do Senhor subsistirá para sempre”, diz um livro sagrado.
Quanto a mim, não quero flores! Não gastem seu dinheiro com flores para um morto. Quando muito, desejo que coloquem dentro de uma garrafa vazia de Moet Chandon que fica sobre uma estante de meu atelier uma orquídea. Explico:
Já me dei ao luxo de pagar um dinheiro que não tinha numa garrafa desses espumantes requintados. Minha intenção não era ser esnobe. Eu sou feliz mesmo quando me lembro de meus dias de criança quando tomava Quisuco com pão e manteiga. Sentia-me um Czar bebendo a melhor Vodka acompanhada de ovas de Beluga. Gostava especialmente do sabor de uva que deixava a língua da gente envergonhada de vermelho e do sabor abacaxi que tinha aquele gosto divertido de azedinho. Eu até apertava os olhinhos fazendo careta. Eu e meus irmãos ríamos botando-nos uns aos outros a língua pra fora.
Então, comprei a garrafa com o desejo de erguê-la como um símbolo. Nós carecemos de símbolos. Desejamos tornar palpável, palatável, visível, audível e odorífico uma Palavra que não pode ser encarnada, um nome de um Deus que não pode ser pronunciado sem reverência, um sonho, uma saudade de um alguém e de um lugar que não conhecemos, um desejo eterno escondido num fugaz orgasmo. É como ser um pobre Cristo que sabe a hora da morte e, ainda assim, se permite uma prostituta ajoelhar-se e derramar-lhe aos pés um caro bálsamo e enxugá-los com os seus longos cabelos. Para mim, uma das mais belas passagens de um certo livro sagrado. E há quem seja Judas com aquele discurso hipócrita do desperdício, afirmando que se poderia vender o santo óleo das mãos de uma puta para ajudar aos pobres. O mesmo Judas estraga-prazer que o traiu com um beijo por trintas moedas de nada, num ato de traição não só ao Cristo, mas, sobretudo a si mesmo, encarcerando-se numa jaula que lhe extorquira o direito de vivenciar o prazer da vida, mesmo diante da expectativa da morte.
Sim! Uma garrafa de vinho que chegara ao fim e que não fora bebida sozinha!
Quanto à orquídea, escolho está flor porque... porque...
E assim morreu Júlio César Diniz, antes de falar sobre a orquídea!
Morreu um homem,
Morreu uma flor
Morreu um segredo
Morreu um amor
Morreu também uma dor
Morreu nos braços da nativa que derramava em seu rosto frio da água gelada do doce mar lágrimas salgadas como se fossem bálsamo. O que parecia ser uma tentativa de reanimação por respiração boca-a-boca para roda de pessoas que se formara em volta de ambos, era na verdade, para ele e para ela, um beijo, um último beijo. E morreu com um sorriso nos lábios.
Meu Epitáfio
Aqui jaz uma garrafa
Uma garrafa vazia
Não fora bebida sozinha
Aqui jaz um nada
Um menos, um quase
Uma poesia sem palavras
Um morto sem pernas
Sem mãos, nem olhos
Um zumbido surdo
Um dono do próprio nariz
Um maluco beleza que escrevia
Cores sobre um firmamento gris
Aqui jaz uma apenas fase
Uma vírgula, um parêntese
Um parente da vida
Um carente de si próprio
Um cara sem sorte
Amante, amigo, consorte
Um parceiro da vida
Foi-se uma alma erótica
Que tornou santo um corpo
“Meu corpo é a prostituta
Da minha alma”, dizia
Por outro lado, sorria:
“Do corpo minha alma
É a cafetina simpática, a dona”
Foram-se Júlio Diniz e Javier Cardona
Mas ambos foram
E foram um
Um era louco
O outro também
Um achava que não era
O outro que não era
Chamava sempre
O que achava que não era
Para ser
Meramente ser
Um era pouco
Dois era melhor
Enquanto um caía
O outro levantava
E levantava o que caía
Enquanto Júlio cavava um poço
Javier jogava a corda
E lá do alto gritava o moço:
Cara, acorda!
Acorda pra vida
E viva!
Foi assim
Um era louco
O outro também
Doidos, doidinhos
Doidos de jogar flores