Descobri que por muitos anos eu mesmo carregava um orgulho e preconceito irracionais contra meu trabalho. Obviamente que não foi uma postura gratuita, senão patrocinada pela minha covardia em ceder ao preconceito social fomentado por versões equivocadas e maldosas de vários segmentos irresponsáveis da mídia e pela própria falta de consciência de uma parcela da população que não sabe ainda se adequar ao inevitável princípio da coletividade. Em minhas incursões na direção de minha própria interioridade, essa jornada árdua tecnicamente definida como depressão, redescobri meu lugar no mundo e meu papel como agente transformador e responsável pela minha existência no mundo. Não bastava lamentar as injustiças, as calúnias, a falta de respeito e muito menos fazer ouvido de mercador. Algo estava errado com o mundo, mas algo estava errado comigo mesmo. Aos poucos fui percebendo que estava barganhando com o mundo minhas convicções e minha consciência. Chega o momento do insight e da transgressão do escravo que não sabe que sabe que é livre e que seu senhorio que não sabe que sabe que não é senhor coisa nenhuma. Foi necessário sentar-me diante da própria morte e dela absorver algumas lições importantes e imprescindíveis para a vida. Talvez, a principal delas é que não somos nada senão um sopro, um grão mínimo na ampulheta do tempo que irremediavelmente escorre pelo vidro transparente da vida até passar pela garganta afunilada da morte e despenca imóvel sobre outros grãos que por ali também passaram, aconchegados num cemitério de cinzas e nada mais. Chega o momento em que damos um basta a tudo e se há uma centelha de luz, de consciência tranquila e ética pode haver também um pouco de esperança de que um fogo queime a palha seca da inércia, elevando-nos na postura de guerreiros que lutam em favor do próprio bem e do bem alheio.
Hoje não me importa mais o que eu seja na vida como forma de apropriação da necessidade de auto-afirmação no mundo. Importa ser qualquer coisa, pois importa essencialmente a postura do Ser que prescinde de qualquer forma de posse temporal como projeção, seja de status, poder, prestígio social. Qualquer homem que vive uma vida plena e consciente de que todo o seu tempo disponível é precioso, que não se permite negociar com as configurações impostas por quaisquer convenções sociais, tem consciência do poder de sua influência no mundo, seja um Juiz ou seja um Gari. Se nós soubermos que verdadeiramente podemos ser servos uns dos outros, nossa vida laboral se tornará mais amena.
Toda nossa relação com quaisquer instituições ou quaisquer sistemas é sempre extremamente precária, pois depende, sobretudo, da postura que assumimos perante os desafios da vida como ela se nos apresenta, seja qual forma for. No final das contas, a responsabilidade é sempre nossa, individual, em assumir uma postura de pedinte, mercenário ou guerreiro.
Memento Mori: "Lembre-se, um dia você vai morrer".