Há lugares que não são o que parecem ser. Um fumódromo, por exemplo.
Segundo o Artigo 49º da Lei 12.546 é proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público. Sem querer entrar no mérito legal para a autorização ou não da instalação desse espaço isolado com arejamento conveniente para os inveterados fumantes, insisto na minha mania de erguer lugares como esse como um símbolo da possibilidade da tolerância sem que ela se confunda com os princípios da liberdade individual em razão da própria contradição que ele, o fumódromo, representa: um lugar fechado para fumantes dentro de um lugar fechado onde não se pode fumar. Fica patente essa possibilidade de co-habitarmos em plena harmonia, sem que se fira direitos individuais.
Entrei no dito recinto no Lord Pub. Ingênua e descontraidamente puxei papo com três camaradas. A breve prosa deixou nítida a minha postura política: sou anarquista, graças a Deus! A contestação por parte de um deles afirmando que anarquia é bagunça, desordem não me afetou em nada. É preciso advertir a quem entra num fumódromo que se trata de um lugar que pode ser considerado o crisol dos testes de tolerância. Diante da discórdia do convicto rapaz evoquei ao espírito etimológico do termo para dizer que, do grego, Anarquia significa...
Fui interrompido pelo amigo exasperado do amigo:
_ Eu sou formado em Direito! Você sabe latim? Perguntou-me olhando com deboche os outros dois amigos. Continuou: _ Quanto à sua intolerância é assim que se faz: Levantou-se da poltrona, caminhou até à porta corrediça de vidro, abriu, saiu seguido pelo amigo que discordou do meu espírito desordeiro, digo, anarquista e fechou novamente a porta. Fez isso com tanta segurança como se fosse uma atitude pedagógica.
Juro que minha intolerância foi ter ficado perplexo com a grandeza de uma postura nada dialética de alguém que se diz formado em Direito. Ademais, eu estava era falando grego.
Restou-me ouvir apenas o pedido de desculpas do terceiro amigo que também saiu em seguida. É nessa hora que a gente tem que discernir que fumar, em certas situações, é um mecanismo de defesa tão primitivo quanto aquele famoso dispositivo do Gambá. "Não se aproxime, vai feder".
Horas depois topei com uma moçoila linda que carregava no pescoço uma câmera fotográfica quando entrava novamente no fumódromo enquanto ela saía. Aparentemente ingênuo como sempre, perguntei:
_ Você é fotógrafa?
_Não. É um colar. Desferiu-me o golpe que desfigurou-lhe o próprio rostinho lindo.
Como sou um homem feio, insisti com a mocinha com uma nota de cem reais, contratando seus serviços para tirar-me uma fotografia profissa para ilustração desta postagem.
Na minha cabeça de menino comecei a viajar naquela câmera, acreditando que o flash a ela acoplado era um baita diamante que reluzia de vez em quando. E, juro por todos os santos, que não foi efeito das duas doses de Germana, duas doses do Blowjob ( drink que todo homem deveria pagar a uma mulher), duas Ice Smirnoff e uma Budweiser, nessa ordem. Eu ainda poderia soletrar o alfabeto grego de trás pra frente.
Eu já estava era ficando enauseado com a necessidade de ter que usar uma linguagem cada vez mais específica e precisa para interagir com certas pessoas sem ser acusado de ser desordeiro ou ter segundas intenções. Por exemplo, eu sou fã de fotografia. No entanto jamais afirmaria que sou fotógrafo, pois não sou profissional. Já imaginou o quão pedante seria eu andar por aí como se fosse um dicionário ambulante, adjetivando todos os substantivos?
"_ Sou anarquista. Mas atenção, galera, refiro-me ao verbete Nº 4 do Aurélio Buarque de Holanda, ok?"
"_ Você é fotógrafa? Mas eu to perguntando se é profissional e não se tem a fotografia como hobby, ok?"
É foda, né? Polissemia ou é pra quem tem tempo demais ou pra quem carece de ilustração de uma linguagem cujo contexto não foi percebido. "Quer que eu desenhe?"
Concluo com o que já afirmei no início desse intolerante desabafo porque ninguém é de ferro e até a paciência tem limite. Há lugares que não são o que parecem. Um fumódromo pode ser bem mais fedorento do que se imagina. A feiura e o mau-cheiro podem residir em espaços bem mais sutis, já que a prepotência humana parece não ter limites. Logo eu que, até aos meus trinta anos de idade, já fui tão intolerante à fumaça de cigarro.
Como dizia meu professor da cadeira de Fundamentos de Direito, recorramos ao Pai dos Burros:
Anarquia:
A palavra anarquia vem do grego ἀναρχία, anarchía (de ἄναρχος, Anarchos, ἀν prefixo an, que significa 'não' ou 'não', e substantivo ἀρχός, Archos, que significa "líder", "governante" ou "governo") e utilizado para descrever as situações em que há ausência de Estado ou do poder público tornando-se inaplicável monopólio da força sobre um território.
Sistema político e social segundo o qual o indivíduo deve ser emancipado de qualquer tutela governamental.
É óbvio que, no contexto político, o termo Anarquia tem caráter polissêmico e será tomado como desordem, caos, bagunça, pois há ainda aqueles que têm sede de poder, que acham que podem legislar e controlar a vida dos outros. Se eu fosse um desordeiro, se eu fosse criança carente de lei que me dirija os passos, teria acendido meu cigarro no salão principal do pub.
Haverá um dia e já está chegando a hora que cigarro para mim não passará de um símbolo dessa existência efêmera e precária de nós, seres humanos. Um dia retornaremos de onde viemos, ao pó.
P.S. Lord Pub continua sendo uma das melhores casas pra se frequentar na minha opinião. Boa música, seguranças gentis e educados, garçons, como o Pedro Martinez, altamente atenciosos, as atendentes refinadas. E, nas vezes que lá fui, conheci muita gente bonita, elegante, de papo agradável e inteligente.
Segundo o Artigo 49º da Lei 12.546 é proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público. Sem querer entrar no mérito legal para a autorização ou não da instalação desse espaço isolado com arejamento conveniente para os inveterados fumantes, insisto na minha mania de erguer lugares como esse como um símbolo da possibilidade da tolerância sem que ela se confunda com os princípios da liberdade individual em razão da própria contradição que ele, o fumódromo, representa: um lugar fechado para fumantes dentro de um lugar fechado onde não se pode fumar. Fica patente essa possibilidade de co-habitarmos em plena harmonia, sem que se fira direitos individuais.
Entrei no dito recinto no Lord Pub. Ingênua e descontraidamente puxei papo com três camaradas. A breve prosa deixou nítida a minha postura política: sou anarquista, graças a Deus! A contestação por parte de um deles afirmando que anarquia é bagunça, desordem não me afetou em nada. É preciso advertir a quem entra num fumódromo que se trata de um lugar que pode ser considerado o crisol dos testes de tolerância. Diante da discórdia do convicto rapaz evoquei ao espírito etimológico do termo para dizer que, do grego, Anarquia significa...
Fui interrompido pelo amigo exasperado do amigo:
_ Eu sou formado em Direito! Você sabe latim? Perguntou-me olhando com deboche os outros dois amigos. Continuou: _ Quanto à sua intolerância é assim que se faz: Levantou-se da poltrona, caminhou até à porta corrediça de vidro, abriu, saiu seguido pelo amigo que discordou do meu espírito desordeiro, digo, anarquista e fechou novamente a porta. Fez isso com tanta segurança como se fosse uma atitude pedagógica.
Juro que minha intolerância foi ter ficado perplexo com a grandeza de uma postura nada dialética de alguém que se diz formado em Direito. Ademais, eu estava era falando grego.
Restou-me ouvir apenas o pedido de desculpas do terceiro amigo que também saiu em seguida. É nessa hora que a gente tem que discernir que fumar, em certas situações, é um mecanismo de defesa tão primitivo quanto aquele famoso dispositivo do Gambá. "Não se aproxime, vai feder".
Eu só queria uma foto dentro do fumódromo para ilustrar esta postagem.
O fotógrafo Amador Javier Cardona se compadeceu de mim.
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Horas depois topei com uma moçoila linda que carregava no pescoço uma câmera fotográfica quando entrava novamente no fumódromo enquanto ela saía. Aparentemente ingênuo como sempre, perguntei:
_ Você é fotógrafa?
_Não. É um colar. Desferiu-me o golpe que desfigurou-lhe o próprio rostinho lindo.
Como sou um homem feio, insisti com a mocinha com uma nota de cem reais, contratando seus serviços para tirar-me uma fotografia profissa para ilustração desta postagem.
Na minha cabeça de menino comecei a viajar naquela câmera, acreditando que o flash a ela acoplado era um baita diamante que reluzia de vez em quando. E, juro por todos os santos, que não foi efeito das duas doses de Germana, duas doses do Blowjob ( drink que todo homem deveria pagar a uma mulher), duas Ice Smirnoff e uma Budweiser, nessa ordem. Eu ainda poderia soletrar o alfabeto grego de trás pra frente.
Eu já estava era ficando enauseado com a necessidade de ter que usar uma linguagem cada vez mais específica e precisa para interagir com certas pessoas sem ser acusado de ser desordeiro ou ter segundas intenções. Por exemplo, eu sou fã de fotografia. No entanto jamais afirmaria que sou fotógrafo, pois não sou profissional. Já imaginou o quão pedante seria eu andar por aí como se fosse um dicionário ambulante, adjetivando todos os substantivos?
"_ Sou anarquista. Mas atenção, galera, refiro-me ao verbete Nº 4 do Aurélio Buarque de Holanda, ok?"
"_ Você é fotógrafa? Mas eu to perguntando se é profissional e não se tem a fotografia como hobby, ok?"
É foda, né? Polissemia ou é pra quem tem tempo demais ou pra quem carece de ilustração de uma linguagem cujo contexto não foi percebido. "Quer que eu desenhe?"
Concluo com o que já afirmei no início desse intolerante desabafo porque ninguém é de ferro e até a paciência tem limite. Há lugares que não são o que parecem. Um fumódromo pode ser bem mais fedorento do que se imagina. A feiura e o mau-cheiro podem residir em espaços bem mais sutis, já que a prepotência humana parece não ter limites. Logo eu que, até aos meus trinta anos de idade, já fui tão intolerante à fumaça de cigarro.
Como dizia meu professor da cadeira de Fundamentos de Direito, recorramos ao Pai dos Burros:
Anarquia:
A palavra anarquia vem do grego ἀναρχία, anarchía (de ἄναρχος, Anarchos, ἀν prefixo an, que significa 'não' ou 'não', e substantivo ἀρχός, Archos, que significa "líder", "governante" ou "governo") e utilizado para descrever as situações em que há ausência de Estado ou do poder público tornando-se inaplicável monopólio da força sobre um território.
Sistema político e social segundo o qual o indivíduo deve ser emancipado de qualquer tutela governamental.
Seu 05, o Sr. vai dormir?
Eu vou retomar o raciocínio. O conceito de Anarquia, do grego, αναρχία;
do inglês, anarchy; do alemão, anarchie; do javanês, anarki;
do latim, licentia...
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É óbvio que, no contexto político, o termo Anarquia tem caráter polissêmico e será tomado como desordem, caos, bagunça, pois há ainda aqueles que têm sede de poder, que acham que podem legislar e controlar a vida dos outros. Se eu fosse um desordeiro, se eu fosse criança carente de lei que me dirija os passos, teria acendido meu cigarro no salão principal do pub.
Haverá um dia e já está chegando a hora que cigarro para mim não passará de um símbolo dessa existência efêmera e precária de nós, seres humanos. Um dia retornaremos de onde viemos, ao pó.
P.S. Lord Pub continua sendo uma das melhores casas pra se frequentar na minha opinião. Boa música, seguranças gentis e educados, garçons, como o Pedro Martinez, altamente atenciosos, as atendentes refinadas. E, nas vezes que lá fui, conheci muita gente bonita, elegante, de papo agradável e inteligente.